POR MENOS DO QUE ISTO
Como estaria Portugal sem aquele que é maior do que o seu peso?
O bem-disposto mais temido da política.
Soares, o elo perdido da evolução do PS
Não tendo muito que fazer no feriado do 25
de Abril (inaugurar museu em Lisboa com
o seu nome, lançar tema da semana contra
Governo, inventar insulto do mês
para o Presidente da República, de
facto um dia normal), Mário Soares teve
algumas horas para pensar na vida.
Faltara
outra vez à cerimónia na Assembleia da
República por solidariedade com
“os capitães de Abril”, que por sua vez
faltaram por solidariedade consigo próprios e
que, para o ano, faltarão por solidariedade por já
terem faltado dois anos seguidos, que já dá um respeitoso
passado à falta.
O ex-Presidente viu os primeiros minutos da cerimónia solene pela TV. Não sendo um espírito religioso, rezou para que Passos Coelho e Cavaco Silva, os tipos que - Por muito menos do que isto foi D. Carlos morto... - tropeçassem no degrau do hemiciclo e caíssem em directo. Mesmo laico, um republicano e socialista tem fezadas. Por exemplo, como Obama e o Papa Francisco são “os meus actuais ídolos políticos”, também Pedro Passos Coelho pareceu a Soares um bom candidato a primeiro-ministro, por isso o elogiou publicamente pela sua preparação e seriedade, ou então foi só para provocar uma fúria em José Sócrates, que há dois anos não era “brilhante” como agora, e uma apoplexia em Manuel Alegre, então suspenso da sua amizade... mas quem lhe manda falar nisso agora, o contexto é diferente, está a ter uma atitude um bocado pidesca, e por muito menos do que isto o Rui Mateus, o caso Emaudio, o fax de Macau e o diabo a sete milhões de patacas nunca mais se ouviu falar deles... e já cá não está quem falou, meus amigos.
A
25 de Abril de 2013, afundado no seu sofá da sua
Fundação, frente ao seu Parlamento, Soares tentou
lançar ondas magnéticas destruidoras.
Usava
o poderoso cérebro, famoso no mundo, de Mário
Alberto Nobre Lopes Soares, também conhecido, da
Venezuela a Paris, de Luanda à Jamba, da
praia do Vau à Faixa de Gaza, por “Marocas” e
“o Bochechas”. Mas Presidente e Governo não caíram
(até à data do fecho desta biografia). Vendo as
crianças que enchiam as galerias da AR para ouvir
os discursos, preparando-se tão cedo para uma
vida de horror e vazio até emigrarem, Soares lembrou-se
do seu filho querido, o conhecido político
João... quer dizer, o conhecido Partido Socialista
Nobre Lopes Soares (PSNLS), que há precisamente
40 anos, no exílio, foi dado à luz contra
a ditadura salazarista.
Um
dia, dizem os anais da História, o menino sentiu-se
mal e, em vez de o meter numa cama de hospital,
o pai enfiou-o na gaveta, e na verdade curou-o
de vez, porque nunca mais foi o mesmo, e
nem hoje sabe bem o nome que tem. Mas como dizia
o jovem comunista Mário Soares na época (colégio
Moderno, fundado pelo pai) em que o seu professor
era Álvaro Cunhal, -
Por muito menos do que isto, foi morto o czar da
Rússia e família - Mário
Soares, 88 anos, este impossível de resumir.
Alguns
factos, no entanto, se destacam numa
força da natureza, massa em movimento, uma
luta pela democracia, pela liberdade e pelo financiamento (do país na Europa e do PS onde houver
dinheiro). Para falar como Soares, desde antes
da União Europeia pré-Angela Merkl, no paleolítico
inferior da União Europeia, e da catástrofe neoliberal
coelhina, isto é, quando ainda havia
algum. Em 1906, por exemplo, apesar de não
nascido, o futuro doutor em Históricas e Filosóficas
(1951), Direito (1957), e Francês Falado (19??)
já sabia de cor as palavras republicanas de Afonso
Costa:
—
Por muito menos do que os crimes cometidos por
D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça
de Luís XVI.
A
política é a arte da adaptação, e o grande político o
seu actor. Soares, o homem 12 vezes preso pela ditadura,
dos três anos de celas e exílios, aproveitou uma
estadia na prisão, em 1949, para casar com a companheira
da vida, a actriz Maria Barroso. O plano final era a noiva recitar os primeiros sonetos do jovem
Manuel Alegre, cheio de lirismo, mensagem e
luta, até os guardas entregarem as chaves. Já então se
percebia a audácia de Soares, a determinação que o
levaram, em 1955 e 1958, a estar na candidatura da oposição
democrática de Norton de Matos e Humberto Delgado.
Mas teve de esperar por 1986. Foi-o dez
anos, o único “presidente-rei” de Portugal.
—
Por muito menos do que isto, inventei as presidências abertas.
Já
não resultou em 2005, quando quis regressar a Belém
e o menos jovem e mais lírico e lutador Alegre ficou-lhe à frente, agora fizeram as pazes, ainda bem.
Soares matou, com 14% de votos, saudades de
bofetadas na Marinha Grande. Do underdog
que acabaria
por vencer, para verdadeiro underdog de rabo
encolhido, duas décadas mais tarde. Mas o que é
o tempo para Soares, que percebeu Cunhal logo que
ele chegou a Lisboa, nos finais de Abril de 74, depois
da Revolução dos Cravos. Dois dias atrasado em
relação ao Mário, camaradas, e agora? Vinha de mais
a Leste, mas não estava a leste. Na estação de comboios,
Cunhal subiu para um tanque para tirar fotos
com um soldado e um operário. E Soares nem um
carro tinha para ser multado a 199 km/h, quanto mais
símbolos do povo para mostrar a seu lado.
—
Por muito menos do que isto, trazia de Paris duas
bailarinas de cancan.
E
só descansou com o 25 de Novembro e com o PS
no poder, isto é, nunca descansou nem pode estar descansado.
(Extraído do Jornal PÚBLICO)